terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CURSO DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO
Prof.º Ms. Gustavo Henrique Schneider Nunes
Realização: Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro – IMESB
Parceria: UNESP-Franca

AULA:  Introdução: a) Conceito e filosofia; b) Conciliação, mediação, negociação e arbitragem; c) Áreas de aplicação.
Sociedade e tutela jurídica
Da autotutela ao monopólio da jurisdição.
Art. 5º, XXXV, CF.
Art. 345, CP.
Meios alternativos de solução de conflitos
Autotutela 
A solução do conflito ocorre por meio da imposição da vontade de quem se apresentava mais forte, astuto etc.
Não há a participação de um terceiro, sendo conferida apenas às partes, num plano horizontal, a solução do conflito.
Admissão excepcional da autotutela: legítima defesa (art. 188, I, CC), apreensão do bem com penhor legal (art. 1.467, I, CC) e desforço imediato no caso de esbulho possessório (art. 1.210, § 1º, CC).
Autocomposição
 A autocomposição é marcada pela atuação da vontade unilateral ou bilateral das partes.
 É gênero do qual se destacam as seguintes espécies: transação, renúncia e submissão.
Transação: em virtude de livres negociações, ocorre sacrifício recíproco de interesses.
No plano processual, a transação será registrada em termo e, posteriormente, homologada por sentença.
A transação pode referir-se à matéria que não guarda nenhuma relação com o objeto do processo. O que prevalece nessa seara é a autonomia da vontade das partes.
Renúncia: ocorre quando alguém que se declara credor de determinada obrigação abre mão do direito que invoca ter em prol da parte adversária.
 
Submissão: a parte se submete à pretensão contrária, ainda que fosse legítima sua resistência.
Diferença entre renúncia e da desistência: renúncia é instituto de direito material e a desistência é instituto de direito processual.
A primeira acarreta a extinção do processo com resolução do mérito e a segunda proporciona a extinção do processo sem a resolução do mérito.
Conciliação: autocomposição induzida ou potencializada por terceiro.
 
O conciliador é um “co-facilitador” em busca da solução acordada do conflito.
A conciliação pode ser exercida dentro ou fora do processo.
Na atualidade, as práticas conciliatórias têm sido incentivadas pelo legislador. Note-se, a título de exemplo, que o juiz deve tentar, a qualquer tempo, a conciliação das partes (art. 125, IV, CPC); a audiência preliminar somente será realizada se o juiz verificar que há possibilidade de conciliação (art. 331, CPC); o acordo extrajudicial homologado pelo juiz é título executivo judicial (art. 475-N, V, CPC); os Juizados Especiais Cíveis possuem verdadeira fase conciliatória ao longo do procedimento (arts. 21 a 26, Lei nº 9.099/95).
Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil (arts. 134 a 144): tem o propósito de incentivar a conciliação e a mediação.
Resolução nº 125/10 do Conselho Nacional de Justiça: versa sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.
Mediação: espécie de autocomposição.
Diferença entre conciliação e mediação: enquanto o conciliador pode sugerir soluções para a composição do litígio, ao mediador cabe auxiliar as partes a identificarem, por si mesmas, alternativas que sejam consideradas de benefício comum (art. 135, § § 1º e 2º, do ANCPC).
O ANCPC trata dos conciliadores e dos mediadores judiciais como auxiliares da justiça.
Ver: arts. 134 a 144 do ANCPC.
Principais áreas de atuação:
 Direito de Família;
Direito Contratual;
Responsabilidade Civil.
Outras áreas.
Art. 134, § 1º, do ANCPC: “A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da neutralidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade”.
Art. 134, § 2º, do ANCPC: “A confidencialidade se estende a todas as informações produzidas ao longo do Procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes”.
Art. 134, § 3º, do ANCPC: “Em virtude do dever de sigilo, inerente à sua função, o conciliador e o mediador e sua equipe não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação”.
Técnicas de negociação – Pontos a serem observados
Avaliar o que será feito se o acordo não for fechado.
Avaliar o que será feito pelo outro litigante se o acordo não for fechado.
Avaliar o quanto realmente são importantes cada questão da negociação para você.
Avaliar o quanto realmente são importantes cada questão da negociação para o outro litigante.
Avaliar a área de barganha: há possibilidade de trocas?
Avaliar o grau que você pode ser afetado pela escolha da estratégia selecionada anteriormente.
 
Avaliar o grau que o outro litigante pode ser afetado pela escolha da estratégia selecionada anteriormente.
Arbitragem (Lei nº 9.307/96): breves notas
Meio alternativo de resolução de conflito.
Trata-se de jurisdição privada?
De acordo com o art. 1º, “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Sobre os direitos indisponíveis, ver proibição expressa no art. 852, CC.
As partes podem escolher se a arbitragem se fundamentará em juízos de direito ou em juízos de equidade, podendo, no primeiro caso, escolher as regras que podem ser aplicadas, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem jurídica.
 
O art. 3º prevê que “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.
Art. 13: pode ser árbitro “qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”.
A sentença arbitral não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18).
 
A sentença arbitral é título executivo judicial (art. 475-N, IV, CPC).
Art. 33, § 3º: “a decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e ss. do CPC, se houver execução judicial”.
 Art. 22, § 4º:“(...) havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa”.
Art. 21, § 2º: o procedimento da arbitragem deve obedecer aos princípios do contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento.
A inobservância de qualquer um desses princípios enseja a nulidade do procedimento arbitral.
Espera-se que a arbitragem, frente à justiça do Estado, não se transforme em um “plano de saúde privado” frente à esquecida “saúde pública”.
A convenção de arbitragem é um pressuposto processual negativo. Diante da existência da convenção arbitral, o Judiciário não pode apreciar o mérito da matéria em litígio.
Se ajuizada uma ação em desrespeito à convenção, o juiz deverá julgar extinto o processo, sem resolução do mérito (art. 267, VII, do CPC), não podendo proceder de ofício (art. 301, § 4º, do CPC).
Art. 301, X, do CPC: a parte interessada deverá alegar a existência da convenção arbitral no prazo de resposta (em preliminar de contestação), sob pena de preclusão.
A sentença arbitral deve ser proferida no prazo estipulado pelas partes. No silêncio, a sentença deve ser editada no prazo de 6 meses, contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro (art. 27).
São requisitos obrigatórios: o relatório, a fundamentação, o dispositivo e a data e o lugar (art. 26).
A sentença arbitral não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18).
A sentença arbitral é título executivo judicial (art. 475-N, IV, CPC).
 
A sentença arbitral será nula nas hipóteses relatadas pelo art. 32.
 
Como previsto no art. 33, § 3º, “a decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e ss. do CPC, se houver execução judicial”.
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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


A DIFICULDADE PROBATÓRIA DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

 
INTRODUÇÃO

            Em tempos de individualismo exacerbado, nota-se que a ocorrência do assédio moral no trabalho tem se intensificado de forma bastante aguda. A exploração do trabalhador, impulsionada pelo modo de produção capitalista, ambiciona aumentar cada vez mais os índices de lucro do empregador. As medidas voltadas à proteção do trabalhador parecem representar um obstáculo a ser superado em prol da obtenção de maiores lucros.

            Em que pese o assédio moral gerar a reparabilidade do dano sofrido pela vítima, conforme reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência contemporâneas, o que se tem sentido no âmbito da prática processual trabalhista, nesse ponto, é a enorme dificuldade de se provar em juízo o que é alegado na petição inicial.

            Diante dessa constatação, buscar-se-á, ao longo deste trabalho, demonstrar algumas possíveis causas que contribuem para a dificuldade probatória no assédio moral no trabalho, bem como apresentar algumas perspectivas de atuação dentro do processo, com o intuito de alcançar o grau de probabilidade o mais próximo possível da verdade, à luz da isonomia processual.

            Para que essa proposta venha a se tornar viável, serão analisadas duas questões centrais: a inversão do ônus da prova e a ampliação dos poderes do juiz.

 
1. Trabalho e dignidade humana

            Para vislumbrar a extensão dos direitos fundamentais e o respeito que a sociedade tem sobre eles, há necessidade de se observar o tipo de Estado existente em determinado momento histórico. Deve-se, primeiramente, perquirir se o Estado é marcado pelos ideais liberais, sociais ou pós-sociais, para, somente ao depois, desenhar alguns caminhos voltados à construção da melhor compreensão possível sobre a proteção dispensada ao trabalhador.

            À luz do liberalismo, o Estado passou a intervir o mínimo possível na esfera jurídica do particular, para que a sociedade pudesse se desenvolver economicamente de forma harmoniosa. A negociação entre patrões e trabalhadores deveria ser livre, pois se acreditava que a “mão invisível” do mercado seria suficiente para equilibrar as tensões sociais.

            Nesse cenário, viu-se campo fértil para a expansão do modo de produção capitalista, devendo o trabalhador vender a sua mão-de-obra ao empregador mediante o recebimento de uma contraprestação salarial incapaz de proporcionar-lhe uma vida digna.

            O trabalhador, para sobreviver, tinha que vender a única mercadoria de que era dono, a sua força de trabalho. A diferença entre o que o trabalhador recebia a título de salário e o valor da mercadoria que produzia foi denominada por Karl Marx de mais-valia. Esse lucro que haveria de ficar com o possuidor dos meios de produção era calculado pela medida da exploração do trabalho no sistema capitalista.[1]

            Contudo, a lógica liberal, longe de conduzir a um pretenso governo democrático da economia, impulsionou, de certo modo, a condução ao confisco do direito à vida. Buscava-se o crescimento lucrativo, mas não se importava com os custos e benefícios sociais, “porque eles não são ponderados no comportamento do ‘homo economicus’ (o ‘tolo racional’ de que fala Amartya Sen) não podem captar-se através do sistema de preços”.[2]

            Com o passar dos anos e o evoluir da sociedade, reconheceu-se que o Estado liberal absenteísta era insuficiente para assegurar a dignidade humana, apesar de ter proporcionado inúmeros avanços em relação ao que se encontrava à época do absolutismo.[3]

            Houve o surgimento do Estado do bem-estar social (welfare state), a partir das Constituições do México, em 1.917, de Weimar, em 1.919 e, sobretudo após o término da Segunda Guerra Mundial, tendo nítido traço intervencionista e o firme propósito de promover a igualdade material.[4]

            Como a liberdade contratual não foi suficiente para promover a dignidade do trabalhador viu-se a necessidade de se criar diplomas legislativos para proteger os direitos dos trabalhadores, tal como aconteceu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu art. 23:1 assegurou que “Toda pessoa tem direito ao trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”.[5]

            Ao trazer esse discurso para o Brasil contemporâneo, a Constituição Federal de 1.988, estabeleceu a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), cuidou de forma bastante detalhada dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) e dos direitos sociais (arts. 6º e 7º). Além disso, frisou que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna (art. 170, caput).[6]

            Acontece que a efetividade das normas constitucionais e infraconstitucionais formalmente garantidoras dos direitos dos trabalhadores deixa muito a desejar no plano da realidade. Vê-se um triste contraste entre os direitos catalogados no ordenamento jurídico e a efetividade prática desses mesmos direitos.

            O problema, na atualidade, não é encontrar a fundamentação dos direitos fundamentais, mas sim protegê-los. Não se trata de questão de cunho filosófico ou jurídico, mas político. O que se procura é a busca do modo mais seguro para atribuir efetividade a tais direitos, a fim de impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.[7]

            Essa realidade não é apenas brasileira. O que se verifica é que o paradoxo sentido nestas terras apresenta-se mais intenso do que aquele constante em países mais desenvolvidos: há “uma Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que, reiteradamente, (só)nega a aplicação de tais direitos”.[8]

            É certo, portanto, que a mera positivação dos direitos dos trabalhadores não foi suficiente para que eles fossem observados pelos empregadores. No entanto, a única saída para que isso realmente aconteça é, na prática trabalhista cotidiana, tirá-los do papel[9] e fazer com eles sejam efetivados, à medida que os direitos fundamentais exercem forte função pedagógica.

            O direito ao trabalho é um direito fundamental social que vincula o Estado e também os particulares.[10]

            Nessa perspectiva, o Direito do Trabalho deve ser compreendido como um meio de promoção da dignidade da pessoa humana.


2. Notas sobre o assédio moral

            O contrato de trabalho consiste na prestação de serviços personalíssima, habitual, mediante remuneração e subordinada, sendo que em virtude dessa última característica, o empregado se sujeita ao poder de direção do empregador, nos moldes das normas imperativas que têm por fim garantir a existência de condições mínimas de trabalho ante o poderio econômico do empregador.

            Entretanto, o receio de ficar desempregado, de não perceber o seu salário em dia e a alarmante diminuição nos postos de trabalho, deixa o trabalhador vulnerável, em condições ainda mais desiguais frente ao empregador. Talvez por isso, o empregador sinta-se encorajado a abusar do seu poder diretivo e disciplinar, de forma a ferir direitos fundamentais como os da personalidade, da cidadania, da dignidade do trabalhador e do meio ambiente do trabalho.[11]

            Sob essa ótica, tornou-se recorrente a prática do assédio moral. Não que isso seja um fenômeno novo. “A novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem que tenta estabelecer o nexo causal com a organização do trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho”.[12]

            Entende-se que assédio moral no trabalho possa vir a ser considerado “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física da vítima, ameaçando seu emprego ou desagradando o clima de trabalho”.[13]

            Para fins de registro, vale destacar que o assédio moral no trabalho tanto pode ser realizado de forma vertical (de descendente contra ascendente ou o contrário) quanto de forma horizontal (entre trabalhadores que ostentam o mesmo grau hierárquico).

            Frise-se, ademais, que o individualismo exacerbado, somado à influência do sistema capitalista – que, em última análise, acaba por transformar tudo em mercadoria –, intensifica práticas capazes de expor o trabalhador ao ridículo, causando-lhe angústia, humilhação e forte abalo de ordem psíquica.

            Diante do que se apresenta, não resta dúvida de que o trabalhador vitimado deve receber uma indenização a título de dano moral. Mas a dificuldade que se vislumbra na prática trabalhista não é relativa ao cabimento ou não da indenização oriunda de assédio moral e sim quanto à produção de provas voltadas à comprovação dos elementos gerais da responsabilidade civil, assunto este que será abordado a seguir.

 
3. A prova do assédio moral

            De acordo com o art. 818 da CLT, no processo trabalhista, a prova das alegações incumbe a quem as fizer, o que em nada contraria o sistema legal de distribuição do ônus da prova previsto no art. 333 do CPC, que diz incumbir ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu direito, e ao réu a prova dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.

            Ocorre que nem sempre essa distribuição legal do ônus da prova atende às necessidades do processo trabalhista, eis que pode sobrecarregar demasiadamente o empregado, que não tem as mesmas condições e facilidades do empregador.[14]

            Atente-se, por exemplo, para o fato de que certas condutas caracterizadoras de assédio moral aparecem de forma tão corriqueira no cotidiano laboral, que quase não são notadas por parte de quem as tenha presenciado. Por outro lado, quem presencia pode manter-se em silêncio, tolerando a prática de tais atos, por receio de vir a vivenciar uma situação análoga, de ser vitimado pelo fantasma do desemprego ou ainda de ser rebaixado de cargo dentro da estrutura administrativa da empresa.

            Some-se a isso que a omissão do empregador em evitar a ocorrência de tais práticas e/ou de puni-las de modo efetivo, na prática, pode funcionar como verdadeira mola propulsora de novas situações caracterizadoras do terror psicológico.

            À vista da dificuldade probatória sentida em tais situações, defende-se que a distribuição do ônus da prova deve ser ordenada em consonância com as peculiaridades do caso concreto, desde que, à evidência, haja observância aos direitos fundamentais processuais, dos quais se destaca o princípio do devido processo legal.

            Em razão da hipossuficiência do empregado, os poderes instrutórios do juiz são mais resplandecentes no âmbito processual do trabalho, jamais devendo o magistrado se contentar em assistir passivamente a produção das provas carreadas ao processo por iniciativa das partes.

            Na contemporaneidade, para se garantir a isonomia processual, a paridade de armas, o juiz passa a exercer papel ativo no que se refere à busca da verdade dentro do processo, tendo em vista que quanto mais se aproximar da certeza fática, melhor será a qualidade da decisão judicial que proferirá.

            É grave a falta cometida pelo juiz que inclina seu poder para forçar a produção de provas que interessam e beneficiam apenas uma das partes. Porém, tão ou mais grave é “a postura da indiferença à verdade, quando está ao alcance do juiz o meio de desvendá-la, e prefere julgar o litígio na sombra da indefinição e ao amparo da frieza técnica de pura distribuição legal do ônus da prova”.[15]

            Como as situações de direito material não são uniformes, o legislador não possui condições de criar leis que digam ao juiz o que necessariamente deve ser feito para prestar tutela jurisdicional diante de todas as situações concretas. Diante da variedade de situações de direito material, deve-se procurar a justiça do caso concreto, o qual exige, por outro lado, uma rígida justificativa racional das decisões, que podem ser auxiliadas por regras como as da proporcionalidade e suas sub-regras.[16]

            É certo, assim, que algumas situações de direito material – como a referente ao assédio moral – venham a exigir que o ônus da prova seja tratado de maneira diferenciada. Todavia, quando o juiz verificar a necessidade de inverter o ônus da prova “é preciso supor que aquele que vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus”.[17] Em síntese: “nessa perspectiva, a inversão do ônus da prova somente deve ocorrer quando o réu tem a possibilidade de demonstrar a não existência do fato constitutivo”.[18]

            Logo, advoga-se pela distribuição dinâmica do ônus da prova, mas não de tal forma que baste à vítima alegar a ocorrência do dano para que o agressor venha a ser condenado a reparar o alegado dano. Essa tese parece exagerada. O que em verdade se sustenta é que, para alterar a distribuição do ônus da prova, a vítima deve ao menos demonstrar a verossimilhança de suas alegações para convencer o juiz de que o evento danoso existiu.

            Para tanto, referida verossimilhança pode ser extraída de algumas atitudes tomadas pela vítima ante a ocorrência do assédio moral, a saber: a) anotar detalhadamente as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local, nome do agressor, pessoas que testemunharam o fato, conteúdo da conversa e o que mais julgar necessário); b) dar visibilidade do ocorrido, procurando ajuda perante colegas de trabalho, em especial daqueles que testemunharam o fato ou que já sofreram assédio do mesmo agressor; c) evitar conversas isoladas com o agressor, devendo sempre se valer da companhia de colegas de trabalho ou de representante sindical; d) exigir, por escrito, explicações relacionadas à agressão e permanecer com cópia da carta (com aviso de recebimento) enviada ao setor de Recursos Humanos e da eventual resposta do agressor; e) procurar seu sindicato e relatar o acontecido para seus superiores hierárquicos e a órgãos como o Ministério Público, Ministério do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e Conselho Regional de Medicina (ver: Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.488/98 sobre saúde do trabalhador); f) recorrer ao Centro de Referência em Saúde dos Trabalhadores e relatar a humilhação sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo.[19]

            Com efeito, o juiz, fundamentará, no caso concreto, as razões pelas quais empreendeu a distribuição dinâmica do ônus da prova – que nada mais é do que atribuir o ônus da prova a quem se encontra em melhores condições de provar –, devendo se valer de juízo de verossimilhança acerca da versão afirmada pela vítima, gerada pelos elementos já disponíveis no processo. A partir daí, definir-se-á a nova responsabilidade pela produção da prova.


CONCLUSÕES

            Embora o texto seja aparentemente conclusivo, pretende-se ressaltar, a título de clareza, os seguintes pontos:

            a) o assédio moral é prática corriqueira no ambiente laboral, mas a sua comprovação em juízo é extremamente dificultosa;

            b) o juiz, no Estado contemporâneo, não pode assistir passivamente a produção das provas pelas partes, devendo, ao revés, comportar-se como um agente interessado na descoberta da verdade, para, com isso, alcançar a isonomia processual e atribuir maior qualidade à sua decisão;

            c) com base nas circunstâncias do caso concreto, o juiz, por analogia, sob a influência do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, pode determinar a inversão do ônus da prova em benefício do trabalhador, desde que a alegação por ele sustentada seja verossímil ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS     

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ed. Coimbra: Almedina, 1998.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho: Redefinindo o Assédio Moral. Tradução: Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem: do feudalismo ao século XXI. Tradução: Waltensir Dutra. 22ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010.

LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Prefácio: BASTOS, Aurélio Wander. 3ed. Rio de Janeiro: Liber júris, 1995.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NAHAS, Thereza Christina. A Crise do Direito do Trabalho. Gramática dos Direitos Fundamentais: a Constituição Federal de 1988 – 20 anos depois. PADILHA, Norma Sueli; NAHAS, Thereza Christina; MACHADO, Edinilson Donisete. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 18ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

NUNES, António José Avelãs. Neoliberalismo & Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio Moral no Âmbito da Empresa. São Paulo: LTr, 2006.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol.1.




[1] HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem: do feudalismo ao século XXI. Tradução: Waltensir Dutra. 22ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010, p. 177.
[2] NUNES, António José Avelãs. Neoliberalismo & Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 84.
[3] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 15.
[4] Ver: BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[5] “Necessário foi o nascimento da intervenção estatal para que se assegurassem direitos mínimos e a dignidade ao trabalhador. Novos tempos surgem com a revolução industrial. O Direito do Trabalho volta-se à proteção do trabalhador, com objetivo de assegurar o desnível entre o devedor e o credor do trabalho e, consequentemente, a melhoria da situação do trabalhador, pretendendo atingir um número cada vez maior de trabalhadores a serem tutelados” NAHAS, Thereza Christina. A Crise do Direito do Trabalho. Gramática dos Direitos Fundamentais: a Constituição Federal de 1988 – 20 anos depois. PADILHA, Norma Sueli; NAHAS, Thereza Christina; MACHADO, Edinilson Donisete. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010, p. 64.
[6] A despeito de a Constituição Federal de 1.988 ser de índole social, “a globalização econômica, ao elevar no plano transnacional a concorrência comercial, força os agentes econômicos a buscarem a redução, a qualquer preço, dos seus custos, sob pena de perda da capacidade competitiva”. SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 28.
[7] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
[8] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, pp. 28-29.
[9] A Constituição é mesmo uma mera folha de papel? Ver: LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Prefácio: BASTOS, Aurélio Wander. 3ed. Rio de Janeiro: Liber júris, 1995.
[10] SARMENTO, Daniel. Op. Cit., p. 235 e ss; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 373 e ss. “Todo direito fundamental volta-se contra o Estado e contra os particulares. Aquele primeiro deve assegurar o pleno exercício ao direito do trabalho, impondo-se assim, uma ordem positiva, qual seja, a obrigação de fornecer serviços e meios para viabilizar o exercício do direito; e outra de ordem negativa, que se traduz de não violar o exercício daqueles direitos. Todos na sociedade terão que respeitar, nas suas ações e omissões, limites para o exercício do seu direito, viabilizando, assim, que cada qual possa usufruir da liberdade que tem de trabalhar, e a violação desse direito acarretará consequências que irão variar de acordo com a lei interna de cada Estado e das normas internas e internacionais que o tutelam”. NAHAS, Thereza Christina. Op. cit., p. 63.
[11] RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio Moral no Âmbito da Empresa. São Paulo: LTr, 2006, p. 29.
[12] Idem. Ibidem, p. 43.
[13] HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho: Redefinindo o Assédio Moral. Tradução: Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 17.
[14] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 18ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 408.
[15] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol.1, p. 419.
[16] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 269-270.
[17] Idem. Ibidem, p. 270.
[18] Idem. Ibidem, p. 270.