quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova e o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil

A prova representa um direito fundamental do jurisdicionado (art. 5º, LVI, da CF). As partes têm o direito de utilizar todos os meios legais, bem como os considerados moralmente legítimos, ainda que não previstos no CPC, para provar as alegações dos fatos em que se funda a ação ou a defesa e influenciar a formação do convencimento do juiz.

Trata-se de um “meio retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições controversas no processo dentro de parâmetros fixados pelo direito e de critério racionais” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo Por artigo. 3ed. São Paulo: RT, 2012, p. 334).

De acordo com o sistema estático de distribuição do ônus da prova, ao autor incube provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, I e II, do CPC).

Nas ações judiciais que envolvem relação de consumo, resta assegurada a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (art. 6º, VIII, do CDC).

No entanto, embora sem previsão legal, muito tem se falado na distribuição dinâmica do ônus da prova, “por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou de informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou, simplesmente, tivesse maior facilidade na sua demonstração. Com isso, a parte encarregada de esclarecer os fatos controvertidos poderia não ser aquela que, de regra, teria que fazê-lo. É necessário, todavia, que os elementos já disponíveis no processo tornem verossímil a versão afirmada por um dos contendores e que o juiz, na fase de saneamento, ao determinar as provas necessárias (art. 331, § 2º), defina também a nova responsabilidade pela respectiva produção” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol.1, p. 422).

Veja, a título de exemplo, o modo como o STJ se posicionou no seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. 2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (4ª Turma, RESP nº 619.148-MG, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 20.05.2010, v.u.).

Em conformidade com o que ocorre nos campos da doutrina e da jurisprudência, o art. 262 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil cuida do tema de forma específica, nos moldes a seguir transcritos: “Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la. § 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção”.

Vê-se, assim, que, no ponto, o legislador pretende adequar as normas processuais civis ao que já se encontra em adiantada fase de sedimentação na realidade prática, o faz muito bem.

2 comentários:

  1. Professor, bela iniciativa, e por amor ao debate, vamos a ele rs.
    Penso que ao determinar a prova para uma das partes (mesmo não sendo a parte que deveria produzi-la), ainda que observado o contraditório, incorre em situação onde o magistrado deve redobrar ou até triplicar sua atenção ao caso, pois é fato que ninguém entra em demanda judicial para produzir prova contra si mesmo, assim, tal expediente pode ser perigoso se no caso concreto a outra parte for hipossuficiente ou a relação não for equilibrada (relação de consumo p. ex.), pois o conhecimento técnico de uma parte supera e muito a da outra, o que, dependendo da capacidade de manipulação, consegue driblar o contraditório, prejudicando a parte mais frágil.
    Bem, não me aprofundei no tema, foi uma análise superficial, mas achei que devia aproveitar para debater.
    Obrigado pelo espaço e mais uma vez parabéns pela iniciativa! Abraço

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    1. Olá Thiago. Fico feliz com sua participação. Sempre foi um aluno diferenciado e tenho certeza que a sua carreira de advogado, que se inicia agora em 2013, será brilhante. De fato, o juiz deverá ter sua atenção redobrada quando da aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova. Entretanto, penso que o art. 333 do CPC é insuficiente e a redação do art. 262 do projeto do novo CPC define os parâmetros a serem levados em conta pelo juiz. Exemplo emblemático disso é o da responsabilidade da provedora de acesso à internet na hipótese de ser impossível a identificação de quem fez comentário ofensivo em anúncio. Distribui-se o ônus da prova de modo diverso daquele estatuído na lei, para que a parte que possui melhores condições de provar o fato pertinente ao caso (a ré) o faça. Seus comentários serão sempre bem-vindos. Abraço.

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