AS FORMAS
DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO CIVIL
Gustavo Henrique Schneider Nunes
INTRODUÇÃO
No
Estado contemporâneo, o Direito Processual Civil deve ser estudado e aplicado
na perspectiva dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais de
justiça, de modo a visualizar a responsabilidade assumida pelo Estado em
prestar uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva (artigo 5º,
inciso XXXV, da CF), resguardando os interesses do autor que tem razão em
detrimento do réu que não a tem, ao mesmo tempo em que deve também resguardar
os direitos do réu – e na mesma medida – quando a situação o exigir.
Diante
disso, pretende-se analisar os fundamentos e a extensão do princípio do
contraditório, previsto no art. 5º, LV, da CF, bem como verificar por meio de
quais formas pode ser desenvolvido na processualística civil brasileira, atentando-se
para a harmoniosa convivência que deve existir entre questões decorrentes do
direito de ação e as questões decorrentes do direito de defesa.
1 FUNDAMENTOS E EXTENSÃO DO CONTRADITÓRIO
O contraditório assenta-se em
fundamentos lógico e político. A bilateralidade da ação que proporciona a
bilateralidade do processo é o fundamento lógico. O fundamento político consubstancia-se na
assertiva de que ninguém pode ser julgado sem ser anteriormente ouvido a
respeito daquilo que contra si é imputado.[1]
Se em todo processo contencioso deve
haver pelo menos dois litigantes – autor e réu –, somente pela parcialidade do
que foi por eles argumentado e produzido é que o juiz terá condições de
resolver com justiça o caso que lhe foi apresentado. É certo que cada um desses
litigantes age no processo com o intuito de atender o próprio interesse, mas,
no fundo, ambos são colaboradores necessários do juiz, na formação de um processo
dialético, que culminará na justa eliminação do conflito do qual fazem parte.[2]
O processo inicia-se por vontade das
partes, mas desenvolve-se por impulso empregado pelo juiz (arts. 2º e 262 do
CPC), sendo que este, para julgar a lide terá que se valer dos conhecimentos
que veio a adquirir por força das alegações e das provas apresentadas pelas
partes, não sendo permitido formar seu convencimento com base em fatos que
eventualmente tenha tido conhecimento fora dos autos processo (art. 131 do
CPC).
Dessa maneira, as partes traçam suas
estratégias de atuação, analisando as alegações que se mostram pertinentes para
o sucesso da causa, bem como quais meios de prova (testemunhal, pericial,
documental etc.) podem ser produzidos para amparar suas respectivas pretensões
deduzidas em juízo. Daí falar, a doutrina tradicional (Calamandrei), no processo
como jogo, “sendo usual apontá-lo como a dinâmica do entrechoque entre uma ‘tese’ sustentada pelo
autor e uma ‘antítese’ trazida
pelo réu, ambas à espera da ‘síntese’
que virá do juiz”.[3]
O exercício jurisdicional só será
legítimo quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição Federal e as
leis infraconstitucionais, com a efetiva participação dos sujeitos
interessados. No Estado Democrático de Direito, busca-se a legitimação pelo
procedimento, ou, no ponto, a “'legitimação pelo contraditório e pelo
devido processo legal’”.[4]
Sustentado tanto pelo fundamento lógico
quanto pelo fundamento político, “o princípio dinamiza a dialética processual e
vai tocar, como momento argumentativo, todos os atos que preparam o espírito do
juiz”.[5]
Para José
Frederico Marques, “torna-se inviolável o direito do litigante de propugnar,
durante o processo, com armas legais, a defesa de seus interesses, a fim de
convencer o juiz, com provas e alegações, de que a solução da lide lhe deve ser
favorável”.[6]
O princípio do contraditório
oportuniza aos litigantes tecer considerações sobre as alegações da parte
adversária e também de produzir a prova que dá sustentação ao seu discurso, sob
pena de cometer-se cerceamento de defesa, à semelhança do que se passa “quando
se assegura a audiência da parte adversária, mas não lhe faculta a contraprova”.[7]
Ocorre que, em algumas situações, uma
vez regularmente instaurado o processo pelo exercício do direito de ação, está
autorizado o juiz a agir de ofício, principalmente no que diz respeito à
iniciativa probatória, amparado que está pelos seus poderes instrutórios, o que
lhe possibilita comportar-se não mais como um mero espectador, moldado e
modelado pelo ideário liberal que tanta influência exerceu sobre o processo
civil e sobre a atuação judicial. Tal situação fica mais intensa quando a causa
referir-se sobre direitos indisponíveis. Note, a título de exemplo, que nenhum
juiz será capaz de julgar improcedente o pedido formulado numa ação de
investigação de paternidade em virtude de insuficiência de provas sob o
argumento de que o autor deixou de requerer a produção da prova pericial (DNA).[8]
O princípio dispositivo – segundo o
qual o juiz deve julgar a causa com fundamento nos fatos alegados e provados
pelas partes – deve ser mitigado, pois ante a “vocação solidarista do Estado
moderno”, o juiz deve ser um personagem participativo e responsável do drama
judiciário, não devendo ser contentar em ser “mero figurante de uma comédia”. O
processo é um instrumento público, que não pode ficar ao alvedrio de
interesses, condutas e omissões dos particulares, porque o Estado não é uma
instituição similar a um “negócio combinado em família”.[9]
É evidente que isso não significa
que o juiz deve assumir paternalmente a tutela da parte negligente. O que deve
fazer, com os olhos voltados para a efetividade da isonomia processual,
consubstanciada em sede infraconstitucional no art. 125, I, do CPC, é
diligenciar para que a parte pobre que não soube manifestar-se ou que tenha se
manifestado de maneira superficial não fique passível de injustiças no decorrer
da relação processual, tal como se fosse um “juiz ‘Pilatos’, que, em
face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a
falta aos litigantes”.[10]
Ao mesmo tempo em que se deve
assegurar a efetivação da igualdade de
participação das partes, é preciso que seja satisfeito o interesse público na
descoberta daquilo que pode ser entendido como verdade e na realização da
justiça, o que evidencia sua importância para conter o arbítrio judicial.[11]
O contraditório, mais do que
princípio processual é apanágio do regime democrático, e, por meio dele, estão enfeixados temas referentes à ação e à
defesa que fazem a dialética indispensável do processo com vistas à solução
justa.[12]
Tradicionalmente, o contraditório
é compreendido como a obrigatoriedade de informar a parte adversária acerca do
ato ou termo processual acrescida pela possibilidade de reação. Vê-se, assim,
que a informação é indispensável e a reação é facultativa. Porém, nos dias
atuais, “o contraditório ganhou mais elastério, deixando de ser apenas o binômio ‘informação-reação’, para
converter-se no trinômio ‘informação-reação-diálogo’”, pretendendo-se, com
isso, “garantir às partes à possibilidade de ‘participação efetiva’ no
processo, no sentido de que o julgador analise e leve em consideração as
alegações e provas por elas produzidas”.[13]
As partes devem ter as mesmas
oportunidades para influenciar a formação do convencimento judicial.
Com efeito, cada uma das partes,
igualitariamente,[14]
deve ter as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais à
disposição, pois uma deve conhecer as razões e argumentações expendidas pela
outra, assim como os motivos que levaram o órgão judicial a proferir
determinada decisão, possibilitando a tomada das medidas processuais cabíveis
em tempo adequado, como formulação de requerimentos e interposição de recursos.[15]
Por outro lado, importa destacar que
é pelo diálogo que o juiz participa do contraditório, seja na tentativa de
persuadir as partes a conciliarem-se, tecendo, no que for preciso considerações
acerca da pretensão e da prova, seja realizando esclarecimentos sobre a
distribuição do ônus da prova, seja por meio de advertências a respeito da
necessidade de as partes provarem melhor.
Outros fatores relevantes, e que não
podem ser esquecidos, dizem respeito à necessidade de intimar as partes para
participarem do juízo de fato (tanto na indicação da prova quanto na sua
formação) e do juízo de direito (que, mesmo decorrente do poder de ofício do
magistrado, não pode surpreender a parte com a adoção de novo enfoque jurídico
que sirva de fundamento da decisão, sem que ocorra a ouvida das partes do
processo).[16]
O corolário do direito de defesa,
disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, decorre do direito ao
procedimento adequado, entendido como o procedimento capaz de possibilitar a
efetiva negação da tutela do direito pleiteada pelo autor, bem como o direito à
adequada impugnação da antecipação da tutela, conferindo ao réu o direito ao
recurso tempestivo, e, ainda, o direito de não ter a sua esfera jurídica
invadida senão mediante a utilização do meio executivo que configure a menor
restrição possível.[17]
Do mesmo modo que o direito de ação
não se exaure com a propositura da ação, o direito de defesa também não se
satisfaz com o oferecimento da contestação. O direito fundamental de defesa –
aqui concentrado no princípio do contraditório –, constitui-se na possibilidade
de o réu efetivamente agir ou reagir em juízo para que a tutela do direito
pleiteada pelo autor venha a ser negada e, além disso, para que a sua esfera
jurídica, no caso de reconhecimento do direito apontado na petição inicial, não
seja indevidamente invadida.[18]
Tanto é assim que, nos casos onde a
legislação é omissa, o juiz pode construir o procedimento adequado ao direito
de defesa, tal como ocorre na hipótese de embargos de declaração com eficácia
infringente. É óbvio que, por não visar apenas corrigir a decisão por
obscuridade, contradição ou omissão (art. 535, I e II, do CPC), pois pretende
modificar a decisão nos casos de erro de fato, equívoco manifesto ou erro
material, está a falar-se de uma forma de impugnação das decisões que não foi
prevista pelo legislador e que necessita da intimação da parte contrária, para
que esta possa impugnar as razões dos embargos.[19]
Os embargos de declaração
infringentes são marcados pelo caráter da excepcionalidade, sendo cabíveis
apenas em dois grupos de hipóteses (suprimento de uma omissão e ataque a
decisões absurdas). É inegável a sua natureza recursal. Por isso, há necessidade
de se ouvir o embargado a respeito dos termos constantes nos embargos
declaratórios, porque o que se está a postular é a prolação de uma decisão
capaz de lhe retirar a condição de parte vencedora, transmudando-a em vencida.
Assim como ocorre com a apelação e com os embargos infringentes, os embargos de
declaração, quando imbuídos em modificar substancialmente o julgado, estão
sujeitos ao contraditório, a fim de que o embargado tenha oportunidade de
oferecer suas contrarrazões, sob pena de nulidade.[20]
Para Luiz Guilherme Marinoni,
“qualquer forma de impugnação que possa modificar uma decisão deve poder ser
respondida pela parte que foi por ela beneficiada e pode ser prejudicada pela
nova decisão a ser tomada”. Ocorre que, “se o juiz, em virtude dos embargos de
declaração com efeitos infringentes, pode modificar a decisão embargada,
prejudicando a parte contrária, não se pode negar o direito a resposta a essa
modalidade de embargos de declaração”.[21]
Observe-se, em outra situação, que o
contraditório impede que as partes venham a ser surpreendidas pelo teor das
decisões judiciais, até mesmo no tocante às matérias que devem ser conhecidas
de ofício. Se o réu não alegou a falta de uma das condições da ação, parece
inegável que o juiz possa dela conhecê-la de ofício, por tratar-se de matéria
de ordem pública. Contudo, antes de decidir deve ouvir o que as partes têm a
dizer. Uma coisa é decidir de ofício e outra é decidir sem a oitiva das partes.[22]
Justamente para evitar que a atuação
do juiz se caracterize pelo prisma da surpresa, o art. 16 do nouveau côde de procédure civile francês,
seguindo a mesma linha do § 139 do ZPO, se apresenta como um significativo
parâmetro de atuação, pois, segundo ele, o juiz “não pode fundamentar sua
decisão sobre pontos de direito que ele próprio haja suscitado de-ofício, sem
ter previamente chamado as partes a apresentar suas alegações”.[23]
Nessa diretriz é a redação do art.
10 do Novo Código de Processo Civil, cujo conteúdo ora se transcreve: “O
juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda
que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício”. Segundo o
parágrafo único, a regra apenas não incidirá nos casos de tutela antecipada e de
improcedência liminar do pedido.
Adota-se, pois, um novo referencial
teórico ao processo civil, para evitar-se a surpresa e para construir-se uma
“verdadeira cidadania processual, que é mesmo um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil no tocante ao direito processual civil (art. 1º, II,
CFRB)”.[24]
2 AS FORMAS DE CONTRADITÓRIO
2.1 O contraditório prévio
O princípio do contraditório
legitima a prestação da tutela jurisdicional, na medida em que as partes que
figuram nos polos ativo e passivo da demanda têm a faculdade de praticarem atos
capazes de influenciar o convencimento do juiz.
O problema é que, com isso, a
Constituição Federal, aparentemente, garantiu a plenitude da defesa,
equiparando o contraditório exigido no processo penal ao contraditório que se
entende igualmente exigido no processo civil, pouco se importando, pois, com a
disparidade do grau de disponibilidade dos bens jurídicos situados nestes dois
grandes ramos do Direito.[25]
Por isso, difundiu-se a ideia de que
o princípio do contraditório só existe quando for prévio, quando o juiz só
puder conhecer a lide após a oitiva das partes, ou seja, só há contraditório
quando a parte tem a possibilidade de tomar prévio conhecimento de determinada
questão e de tecer todas as considerações que julgar pertinentes sobre essa
mesma questão, tudo com o intuito inequívoco de se aplicar a “vontade da lei”,
após plena e ampla certificação do direito, salvo, como aponta Ovídio Araújo
Baptista da Silva, “no processo executivo obrigacional que, milagrosamente,
renega o sistema!”.[26]
Apesar de ter-se elaborado a
execução de título executivo extrajudicial, cuja ação é de cognição sumária, o
princípio do contraditório foi previsto na Constituição Federal de 1988 como
uma garantia suprema, o que ocasionou a exclusão do contraditório diferido e do
contraditório eventual, transformando, por consequência, “em ‘ordinárias todas
as demandas, pois sem liminares de mérito todas elas tornam-se ordinárias, dada
a relação essencial entre ‘contraditório prévio e ordinariedade’”.[27]
No entanto, no rol de procedimentos
especiais, muitos deles previstos em legislação extravagante, o contraditório e
a ampla defesa possuem vigência diversa daquela havida na ordinariedade dos
casos, demonstrando, assim, a formação de dois sistemas processuais, um
popular, plebeu, para aqueles que não disponham de um procedimento
privilegiado, e outro, “sofisticado”, destinado a tutelar as várias estruturas
de Poder, visível e invisível.[28]
Conforme ressaltado por Ovídio A.
Baptista da Silva, o Estado, na qualidade de autor, continua a utilizar-se de
procedimentos “sem defesa”, como na execução fiscal, ou, ainda, como ocorre nos
procedimentos em que a defesa permitida ao réu é raquítica (ex.: ação de
desapropriação), sendo que, a respeito deste ponto, vale salientar
que as limitações ao direito
do contraditório e, por via de consequência, da cognição do juiz, sejam
estabelecidas em lei processual ou em lei material, se impossibilitam a efetiva
tutela jurisdicional do direito contra qualquer forma de denegação de justiça,
ferem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e por isso são
inconstitucionais (ofensa ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal de
1988; na Constituição Federal anterior, art. 153, § 4º).[29]
Como consequência disso, as estruturas do poder econômico se beneficiam
de instrumentos que os livram do processo de conhecimento. Exemplo marcante
desse estado de coisas é a ação de busca e apreensão do bem fiduciariamente
alienado que, por tratar-se de uma demanda radicalmente sumária, visa proteger
os interesses de uma classe de empresários.[30]
Entretanto, em que pese essa
ideologia liberal-burguesa encontrar-se presente na legislação processual civil
brasileira, o certo é que diante da nova ordem constitucional, percebe-se que é
justamente por força do direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional que o princípio do contraditório não pode existir e ser aplicado
somente na sua modalidade prévia. Há, em realidade, situações que permitem e
legitimam restrições no âmbito de aplicação do contraditório, com o objetivo
primordial de assegurar a efetividade jurisdicional, conforme sentido nas
demais formas pelas quais o princípio do contraditório se manifesta no plano
processual, quais, sejam, a diferida e a eventual, que serão vistas a seguir.
2.2
O contraditório diferido
Contraditório diferido é aquele em
que o juiz primeiro opera-se a decisão de deter determinada questão para, ao
depois, intimar a parte para se manifestar, a exemplo do que acontece quando da
concessão de uma medida liminar inaudita
altera parte em sede de possessórias, mandado de segurança, ações
populares, ações diretas de inconstitucionalidade, cautelares, ações civis
públicas e tutela antecipatória, hipóteses em que “a efetiva concessão da
liminar não configura ofensa, mas sim ‘limitação imanente’ do princípio do
contraditório no processo civil”.[31]
Nesses casos, o juiz julga desde
logo o mérito da causa, antecipando a prática de atos executórios antes da
prolação da sentença, conforme previsto, mesmo admitindo-se que este julgamento
seja provisório, cuja irradiação de efeitos será limitada até futura sentença
meritória, seja esta de procedência, caso em que a parte que se destacara do
conteúdo antecipado será absorvida; seja esta de improcedência, quando a
antecipação acaba por ser eliminada.[32]
3.3 O contraditório eventual
Há, ainda, o contraditório eventual,
que é aquele em que a análise de determinada questão é remetida para o plano
existencial de outro processo, dando-se ensejo
ao contraditório apenas se a parte que figura no polo passivo da demanda tiver
interesse em agir dessa maneira, tal como acontece com os embargos à execução
de título executivo extrajudicial.
Cumpre destacar que o processo de
execução foi idealizado para não ter cognição sobre o crédito consubstanciado
no título executivo, tendo em vista o fato de a obrigação já encontrar-se
previamente reconhecida, nada havendo de se esclarecer ao juiz antes de se
requerer a sua realização.[33]
No entanto, como a presunção decorrente do título executivo é relativa, cabe ao
executado atacar a execução apontando os aspectos viciados de seu procedimento,
os defeitos do título apresentado, ou, ainda, a insubsistência do crédito
alegado pelo exequente.
Essa defesa do executado não pode
ser feita no corpo do processo de execução, mas em processo de conhecimento
autônomo. São os chamados embargos à execução, que constituem uma espécie de
ação incidental à execução utilizada
para se opor à pretensão de executar.
Entretanto, deve-se registrar um
ponto deveras importante: além da oposição dos embargos, o devedor tem a
possibilidade de se defender no próprio processo de execução, apresentando a
denominada exceção de pré-executividade, de criação pretoriana, por meio da
juntada de simples petição, desde que a matéria versada seja de ordem pública
ou que, ao menos, possa ser provada de plano, sem necessidade de dilação
probatória.
Como no processo de execução de
título extrajudicial o princípio do contraditório não é aplicado tal como no
processo de conhecimento, as questões trazidas a lume pelos embargos à execução
serão remetidas para o âmbito de outro processo.
Percebe-se, assim, que enquanto no
contraditório prévio e no contraditório diferido “as posições das partes não se
alteram (...) – o autor continua autor e o réu, como réu, haverá de contestar a
ação –, no ‘eventual’ aquele
que figura-se inicialmente como autor irá tornar-se demandado, na ação ‘plenária’ subsequente”.[34]
De modo que o contraditório eventual
“é um importante expediente de sumarização material, concorrendo, pois, para
outorgar efetividade à tutela jurisdicional, mercê da redução do campo do
litígio”.[35]
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
As concepções decorrentes do
liberalismo jurídico acerca do princípio do contraditório no âmbito do Direito
Processual Civil não atendem às necessidades atuais, baseadas em critérios
advindos de um regime democrático e inseridas em um ambiente marcado por
constantes transformações sociais.
Se o processo civil é um instrumento
de concretização do direito material, orientado pelos princípios
constitucionais de justiça e pelos direitos fundamentais, resta clara a
necessidade de haver uma convivência harmoniosa e equilibrada entre as questões
advindas do direito de ação e do direito de defesa.
Ocorre que, da mesma maneira que o
direito de ação não se resume à propositura da ação, o direito de defesa não se
esgota, pura e simplesmente, com o oferecimento da defesa, eis que do princípio
do contraditório decorre a possibilidade de o
réu agir ou reagir em juízo, com o intuito de ver negada a tutela dos direitos
pleiteada pelo autor e, além disso, não ter sua esfera jurídica indevidamente
invadida, no caso de reconhecimento do direito apontado na petição inicial.
A efetiva participação dos atores do
processo (autor, juiz e réu) sob uma ótica cooperativa é que legitima a
prestação da tutela jurisdicional, sendo importante destacar, nesse cenário,
que a efetivação do contraditório nas formas prévia, diferida e eventual em
nada o enfraquecem, antes o redefinem e o fortalecem na perspectiva do direito
ao procedimento judicial adequado ao direito material e às particularidades do
caso concreto, o que, em última análise, se coaduna com o princípio do devido
processo legal.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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[1]
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo
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[2] CINTRA,
Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria
Geral do Processo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, 55.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições
de Direito Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 1, p.
221.
[6] MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 5ª
ed. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 1, p. 373.
[7]
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.
26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. 1, p. 28.
[11]
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil. 2ª
ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 238.
[12]
PORTANOVA, Rui. Motivações Ideológicas da
Sentença. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, 117.
[13]
LOPES, João Batista. Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa na Reforma
da Execução Civil. Execução civil:
estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Coordenadores:
SANTOS, Ernane Fidélis dos; WAMBIER, Luiz Rodrigues; NERY JR., Nelson; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 80.
[14]
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do
Processo Civil na Constituição Federal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996, p. 148.
[15]
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto.“A Garantia do Contraditório”. In: Do
Formalismo no Processo Civil. 2ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 238.
[17]
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do
Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 1, p. 308.
[22]
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de
Direito Processual Civil. 4ed. São Paulo: Método, 2012, p. 67.
[25] Ver, por todos: BAPTISTA DA
SILVA, Ovídio A. A “plenitude de defesa” no processo civil. TEIXEIRA, Sálvio de
Figueiredo (coord.). As Garantias do
Cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1996.
[26] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio
A. Processo e Ideologia: o paradigma
racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 112.
[31]
NERY JÚNIOR, Nelson; e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil
Extravagante em Vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
25.
[33]
MARINONI, Luiz Guilherme; e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Execução. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, v. 3, p. 447.
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