A TUTELA ANTECIPADA ÀS VOLTAS COM A SENTENÇA[1]
INTRODUÇÃO
Uma das questões mais tormentosas que se
verifica no âmbito do Direito Processual Civil é a concessão da tutela
antecipada às voltas com a sentença, seja antes,
durante ou após a prolação desta.
Por isso, procura-se, neste estudo, apontar
caminhos para a resolução de algumas
questões que repousam sobre o tema, procurando sempre realizar uma
interpretação que concretize os princípios processuais civis previstos na
Constituição Federal.
Não há previsão legal estabelecendo
qual seja o momento adequado para a concessão da tutela antecipada. Por isso,
entende-se que tal medida pode ser concedida pelo juiz em qualquer fase do
processo, do momento que vai da propositura da ação até o instante exatamente
anterior ao trânsito em julgado.
No entanto, é logo na petição
inicial que, na maioria dos casos, se faz presente o pedido de deferimento da
medida, podendo, inclusive, o juiz concedê-la antes da citação do réu, em caso
de vislumbrar a existência de fundado receio de dano ou manifesto propósito
protelatório do réu.[2]
A concessão baseada no abuso do direito de defesa ou no pedido em parte
incontroverso só poderá ser efetivada no curso da marcha processual, após a
citação do réu, a depender do comportamento que vier a adotar frente ao pedido do
autor.
Sobre a formulação de pedido
de tutela antecipada logo no nascedouro do processo, pode, à primeira vista,
parecer incompatível com o pressuposto previsto no art. 273, II, do CPC, porém,
importa notar que, excepcionalmente, o manifesto propósito protelatório do réu pode ocorrer em
momento anterior à propositura da ação judicial, como na hipótese em que o
autor tenha várias vezes notificado o réu para cumprir determinada obrigação,
apresentando evasivas e pedidos de prazo para o adimplemento.[3]
O art. 273 do CPC criou uma previsão
genérica apta a permitir o deferimento desse tipo de tutela in limine litis, fazendo com que isso
deixasse de ser apenas um apanágio de alguns procedimentos especiais para
realizar-se em qualquer processo de conhecimento (ordinário, sumário ou
especial), quando atendidos os pressupostos legais.[4]
E essa liminar (como todas as demais), ao antecipar algum efeito da sentença,
comporta duas espécies de eficácia: a declaratória e alguma outra que seja
executiva ou mandamental.[5]
De acordo com Nelson Nery Júnior, o
pedido de tutela antecipada deve ser concedido antes mesmo da citação do réu,
quando a citação deste
[...]
puder tornar ineficaz a medida, ou, também, quando a urgência indicar a
necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá fazê-lo ‘inaudita
altera pars’, que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do
contraditório, que fica diferido para momento posterior do procedimento.[6]
Entretanto, nada impede que o pedido de
tutela antecipada seja formulado em qualquer outro momento do processo. “O que
realmente quis o art. 273 do CPC foi deixar a matéria sob um regime
procedimental mais livre e flexível, de sorte que não há um momento certo e
preclusivo para a postulação e deferimento da antecipação de tutela”,[7]
podendo, assim, ser requerida e concedida na fase inicial do processo, após o
término da instrução, na sentença e em grau de recurso, ou em qualquer outra
oportunidade, desde que presentes os requisitos que lhes são autorizadores.
Para Cândido Rangel Dinamarco, em privilégio
ao princípio constitucional do acesso à justiça, “a resposta deve ser pela mais
ampla abertura para a concessão incidental da medida ‘a qualquer tempo’, a
partir de quando o processo se instaura pela propositura da demanda em juízo e
enquanto a sentença ou acórdão proferido não estiver sob o manto da coisa
julgada”.[8]
Feitas essas breves considerações,
passa-se, a seguir, a enfrentar as relações entre a tutela antecipada e a
sentença.
2 REFLEXÕES SOBRE A
TUTELA ANTECIPADA E A SENTENÇA
É controvertida a questão que versa
sobre a convivência entre a tutela
antecipada e a sentença. Porém, as dúvidas podem ser diluídas ou minimizadas se
for levado em conta algo muito simples: a prolação da sentença não representa necessariamente
tutela jurisdicional.
De acordo com abalizada lição de Cassio
Scarpinella Bueno,
Tutela
jurisdicional é o efeito concreto, real, palpável, sensível daquilo que se foi
buscar perante o Estado-juiz e que vem definido na sentença. O instituto da
tutela antecipada conduz, justamente, a emprestar efeitos àquilo que (ainda)
não tem; somente se esses efeitos já puderem ser sentidos é que não haverá
espaço para cogitar da tutela antecipada. Só há corpo (sentença), não há vida
(efeitos da sentença). Daí a necessidade de a tutela antecipada para dar vida
ao corpo, unindo-os, como ‘deve-ser’.[9]
Nesses termos, não é porque o juiz
“cumpriu o seu dever” ao prolatar a sentença de mérito, que a tutela antecipada
deixa de ser algo fundamental para a efetividade da tutela jurisdicional. A
razão disso é que o recurso de apelação que visa atacar essa mesma sentença é
recebido, geralmente, tanto no efeito devolutivo quanto no efeito suspensivo, o
que vem a impedir que os efeitos típicos da sentença sejam sentidos de
imediato. Assim, diante do comportamento empreendido pelo réu, a mera prolação
da sentença pode representar algo completamente ineficaz. Tê-la ou não tê-la, nesse
sentido, do ponto de vista do jurisdicionado, é totalmente indiferente, pois
nada se modifica no plano fático. Por isso, nesse “vácuo de eficácia” tem
cabimento o instituto da tutela antecipada.[10]
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, o
melhor seria estabelecer, no art. 520 do CPC, que “a sentença pode ser
executada na pendência da apelação quando conceder a tutela, pouco importando
se esta ‘foi ou não foi concedida antecipadamente, e, assim, se a sentença está
ou não confirmando-a’”.[11]
Teori Albino Zavascki corrobora este entendimento,
ao aludir que o art. 520 do CPC “contém, por força do sistema, um inciso
implícito, que bem poderia ter a seguinte redação: ‘...será [...] recebida só
no efeito devolutivo (a apelação) quando interposta de sentença que:...VI –
julgar procedente o pedido de tutela já antecipada no processo’”.[12]
Parece imperioso averiguar que,
como
o intérprete deve ler a norma processual à luz das garantias de justiça
contidas na Constituição Federal, buscando extrair do sistema o razoável, não
há como se concluir que a tutela do direito é possível antes de finalizado o
contraditório em primeiro grau de jurisdição, mas não perante este mesmo grau
de jurisdição após as partes já terem exercido de forma plena o direito às
alegações e provas.[13]
Se a tutela antecipada pode ser
concedida diante de uma cognição incompleta, por que não pode ser igualmente
concedida ao término da instrução plena, quando da prolação da sentença? Seria
uma irracionalidade do sistema a recusa de o juiz poder conceder tutela
antecipada ao final do procedimento, tendo em vista que isso tudo “tem por fim
definir somente o instrumento técnico que deve servir para a concessão da
tutela”.[14]
2.1 TUTELA ANTECIPADA ANTES DA SENTENÇA
O inciso VII do art. 520 do CPC,
reformado pela Lei nº 10.352/2001, teve o propósito de adequar a apelação ao
sistema processual, uma vez que não podia mais se admitir que uma decisão
interlocutória que concedesse pedido de tutela antecipada, com base em cognição
sumária, superficial e baseada em juízos de probabilidade e verossimilhança,[15]
viesse a ser substituída por uma decisão fundada em uma cognição plena e
exauriente, que a fizesse perder, somente pela racionalidade do sistema, toda a
sua carga de efetividade, quando da interposição de recurso.
Apesar de a tutela antecipada repercutir
de imediato os seus efeitos no plano material, tal não acontecia antes de
alegada reforma processual. O art. 520, caput,
do CPC, atribuía, como regra, efeito suspensivo às apelações interpostas.
Assim, a sentença não produzia efeitos aptos à prestação da tutela
jurisdicional, ante a assertiva de que tal ato judicial era passível de
apelação.
A incoerência do sistema era patente:
“uma decisão mais ‘fraca’ do ponto de vista da cognição jurisdicional e de sua
estabilidade era mais ‘forte’ do ponto de vista da eficácia, justamente o ponto
mais sensível da tutela jurisdicional”.[16]
Com a entrada em vigor do inciso VII do
art. 520, a apelação interposta de sentença que veio a confirmar a tutela
antecipada já concedida, passa a ser recebida apenas no efeito devolutivo, de
modo a fazer com que, independentemente das regras referentes a tal espécie
recursal, possa a decisão interlocutória em destaque continuar a estender os
efeitos que já eram sentidos desde o momento em que foi concedida, sem interrupções.
Situações presentes na prática forense,
todavia, exigem uma análise mais detalhada da matéria, pelo fato de que a regra
legal prevista no art. 520, VII, do CPC, não se apresenta suficientemente útil
para resolver tudo o que deveria tratar.
Parece claro que nas hipóteses em que a
tutela antecipada foi parcialmente concedida antes da prolação de sentença de
total procedência, apenas a parte que não foi anteriormente concedida é que
receberá a incidência do efeito suspensivo oriundo do recurso de apelação.
Nesse caso, não há como negar que os pressupostos do art. 273 do CPC continuam
presentes sobre parte do pedido outrora concedido, mesmo tendo o juiz prolatado
uma sentença de total procedência.
Na hipótese desta situação se inverter,
ou seja, acatamento total do pedido de tutela antecipada e sentença de
procedência somente parcial, o quadro pode ser apresentado da seguinte maneira:
se ao fim e ao cabo da instrução processual o juiz se convenceu de que se
encontrava parcialmente equivocado em relação à decisão que concedeu integralmente
o pedido de tutela antecipada, somente a parcela da tutela antecipada que
coincide com o que foi julgado procedente em sentença é que será passível de
confirmação. Tendo tais atos processuais o mesmo conteúdo, aplica-se a regra do
art. 520, VII, do CPC.
No tocante à parte da sentença que houve
por bem rejeitar o pedido formulado pelo autor, a questão não é resolvida de
forma tão simples. É certo que, aqui, dá-se azo ao art. 520, caput, do CPC, que prevê a regra de que
a apelação deverá ser recebida no efeito suspensivo. No entanto, a parte da
tutela antecipada não confirmada pela sentença não deixa de produzir seus
efeitos no plano da realidade fática, justamente em razão da incidência do
efeito suspensivo sobre o recurso de apelação interposto pela parte
interessada. Pode parecer algo paradoxal, mas quando o juiz profere uma
sentença parcialmente procedente, cassando parcela do pedido de tutela
antecipada já concedida, não faz com que os efeitos de sua decisão sejam sentidos
de imediato, porque o efeito suspensivo da apelação assim não permite.
Conforme pronunciamento de Cassio
Scarpinella Bueno,
Não
é que a sentença, fundada em cognição exauriente, não tenha aptidão de
‘revogar’ [...] a decisão que antecipou a tutela, fundada em cognição sumária.
Não há dúvida de que há tal revogação. O problema, no entanto, não é esse; o
problema, bem diferente, é saber a partir de que momento a revogação é
‘eficaz’, a partir de quando ela pode produzir seus regulares efeitos. E, se
não há efeito suspensivo da apelação, os efeitos da sentença não são imediatos,
inclusive o relativo à revogação da tutela antecipada pelo seu proferimento.[17]
Da mesma forma, se a tutela antecipada
conceder plenamente o que foi pedido pelo autor e a sentença for julgada
totalmente improcedente (o que significa generalizar o que ocorreu na hipótese
anterior), os efeitos decorrentes do provimento antecipatório continuam a
valer, pelo fato de que o recurso de apelação interposto pelo autor impede que
a sentença produza, de imediato, os efeitos que lhes são próprios. Deve-se
aplicar o caput do art. 520 do CPC,
que prevê, como regra, a atribuição do efeito suspensivo à apelação.
Não se quer dizer que a decisão
interlocutória baseada em juízo de verossimilhança deve sobrepor-se à convicção
de “certeza” encontrada pelo juiz quando da prolação da sentença de total
improcedência. Ocorre que o efeito suspensivo que recai sobre a apelação impede
que a sentença de total improcedência venha a repercutir imediatamente.
Como consequência disso, se ainda
estiverem presentes os pressupostos ensejadores da concessão do pedido de
tutela antecipada, mormente o referente ao perigo de dano irreversível e de
difícil reparação, o que há de prevalecer é a eficácia do provimento emanado de
uma decisão interlocutória sobre o conteúdo decisório constante em uma sentença
que julgou totalmente improcedente o quanto foi pedido pelo autor.
É o que ocorre, semelhantemente, com a
eficácia irradiada de uma medida cautelar ainda na pendência do processo
principal, conforme estabelece o art. 807, primeira parte, do CPC, ou, com o
que se passa com a determinação de que os alimentos provisórios serão devidos
até decisão transitada em julgado, prevista no art. 13, § 3º, da Lei nº
5.474/68, ou, ainda, com a possibilidade de a sentença advinda do julgamento de
um mandado de segurança ser executada provisoriamente, nos termos do art. 14, §
3º, da Lei nº 12.016/2009.
Outra questão polêmica que envolve a
matéria, diz respeito à possibilidade de a sentença que apreciar o mérito
repercutir na seara do agravo de instrumento interposto da decisão que apreciou
pedido de tutela antecipada, ou ainda, como ocorreu nos Embargos de Declaração
(com efeitos infringentes) opostos no Recurso Especial nº 644.845-RS, em que se
buscou, sem sucesso, a desconstituição do acórdão embargado sob o argumento de
que os efeitos decorrentes da tutela antecipada restaram confirmados em recurso
especial, que encontraria prejudicado pela prolação do julgamento do mérito.
A pergunta que se faz é: deve-se, nesses
casos, cogitar da perda de objeto do recurso interposto da decisão que apreciou
o pedido de tutela antecipada, ou, ao contrário, este deve subsistir?
O posicionamento aqui adotado é o de que
o agravo não perde seu objeto, mesmo diante da prolação de sentença meritória,
porque, como bem asseverado pelo Ministro Ari Pargendler, no Recurso Especial
nº 112.111/PR,
Não
há relação de continência entre a tutela antecipada e a sentença de mérito. A
aludida tutela antecipada não antecipa simplesmente a sentença de mérito;
antecipa, sim, a própria execução dessa sentença, que, por si só, não
produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada. É preciso que isso
fique claro, os efeitos que o recurso especial quer evitar resultam da tutela
antecipada, e não da sentença – pouco importando que ela tenha confirmado a
tutela antecipada; a decisão a esse respeito foi tomada antes e não fica
prejudicada pela reiteração constante da sentença. De outro modo, a parte não
teria recurso relativamente à tutela antecipada.
Por derradeiro, traz-se à discussão o
caso de a tutela antecipada não ser confirmada em sentença, ante o esquecimento
do juiz ou o entendimento de que tal confirmação seria desnecessária. É claro
que a questão pode ser enfrentada por meio da oposição de embargos de
declaração, com fundamento no art. 533, II, do CPC, no entanto, caso não se
prefira adotar tal medida, deve-se entender que, se o juiz silenciou-se na
sentença a respeito da tutela antecipada já concedida, pretendeu ele mantê-la
irretocável. O silêncio do juiz representa uma manifestação de vontade que há
de se quedar em favor da confirmação implícita da tutela antecipada.
Se a tutela antecipada foi concedida por
meio de decisão interlocutória proferida antes da prolação da sentença, o
recurso cabível é o de agravo retido, salvo quando a questão for suscetível de
causar à parte lesão grave e de difícil reparação (art. 522, caput, do CPC), hipótese em que caberá
agravo de instrumento.
2.2 TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA
É possível a concessão da tutela
antecipada no corpo da sentença de mérito, tratando-a, especificamente, em um
de seus capítulos.[18]
Ao julgador não cabe aqui desdobrar a prestação jurisdicional em duas peças
processuais diferentes (decisão interlocutória e sentença), em que pese ser
este o entendimento sustentado por parte de prestigiosa doutrina.[19]
Conforme lição de Cândido Rangel
Dinamarco, pode-se dizer que “na unidade formal de um só ato processual
reúnem-se, então, o julgamento do ‘meritum causae’ e o da pretensão a
antecipar, mas o que autoriza a pronta efetivação do direito é este, não
aquele”.[20]
Segundo o eminente processualista
paulista,
Em
casos assim, não se trata de uma sentença de mérito e de uma decisão
interlocutória acoplada a ela, como já se chegou a pensar. O ato proferido pelo
juiz é um só, é a ‘sentença’; esse é o ato com que o procedimento em primeiro
grau tem fim, pouco importando o conteúdo. Ainda aqui manifesta-se a
importância do conceito de ‘capítulos de sentença’, os quais foram objeto de
uma precisa exposição em importantíssimo ensaio de Liebman, mas que ainda não
penetraram na cultura do processualista brasileiro. Nem sempre uma sentença
decide sobre uma só pretensão, podendo ela desdobrar-se em dois ou mais
dispositivos, como o que concede a reintegração de posse e o que condena a
ressarcir os prejuízos. Tem-se nesses casos, na unidade formal de uma sentença
só, uma pluralidade de ‘capítulos’ que a compõem, cada um portador de um
preceito independente ou conjugado a outro. Por isso, e considerando ainda que
o conceito de sentença não é associado pelo direito positivo ao conteúdo
substancial desse ato – podendo ele conter ou não o julgamento do ‘meritum
causae’ (CPC, art. 162, § 1º) – não é sistematicamente correto desdobrar o ato
judicial com que o juiz decide a causa e ao mesmo tempo concede uma antecipação
de tutela, como se ali houvesse dois atos, uma sentença e uma decisão
interlocutória.[21]
Recusar a possibilidade de o juiz
conceder pedido de tutela antecipada na sentença
seria desprezar o acesso à ordem jurídica justa, à efetividade, à duração
razoável do processo e ao devido processo legal, não levando em conta a
existência de um “modelo constitucional de Direito Processual Civil”.[22]
Como bem lembrado por Teori Albino Zavascki,
a concessão da tutela antecipada nesta fase processual funciona como um
mecanismo de autorização para o cumprimento provisório da obrigação reconhecida
na sentença, na medida em que atribui eficácia imediata à sentença, retirando o
efeito suspensivo do recurso de apelação.[23]
Sendo a tutela antecipada concedida no
corpo da sentença, em um de seus capítulos, a questão, apesar de controvertida,
deve ser desafiada por intermédio do recurso de apelação, por força do princípio da singularidade recursal, não
devendo dar guarida à tese de que o recurso cabível, nesse caso, seria o de
agravo, sob o argumento de que a concessão da tutela antecipada na sentença
possui natureza de decisão interlocutória.
Não pode admitir-se a existência de dois
recursos distintos (agravo e apelação), ambos voltados para questões tratadas
em um único ato processual (sentença). Deve, aqui, optar-se pelo recurso mais
amplo (apelação), que, inegavelmente, absorverá o mais restrito (agravo), na
esteira do que já restou decidido pela 4ª Turma do STJ, no julgamento dos
Embargos Declaratórios opostos ao Recurso Especial nº 336.356-PE, em especial
pelo que ficou consignado no voto do Ministro Relator Barros Monteiro.
Este também foi o entendimento sufragado
no Agravo Regimental interposto em face da decisão proferida no Recurso
Especial nº 533.273-BA:
PROCESSO
CIVIL. CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NA SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL.
APELAÇÃO. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. ARTIGO 557 DO CPC. APLICABILIDADE. MATÉRIA PACÍFICA. SÚMULA Nº
83/STJ. 1. Não há como abrigar agravo regimental que não logra desconstituir os
fundamentos da decisão recorrida. 2. Nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, ‘o
relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior’,
sendo prescindível que o tema reste apreciado pela Corte Especial 3. A apelação é o recurso
cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela. 4. Com a
adoção pelo sistema recursal brasileiro do princípio da singularidade dos
recursos, mesmo que várias tenham sido as questões decididas em seu bojo, a
sentença é uma, devendo, portanto, ser enfrentada pelo recurso cabível previsto
no artigo 513, CPC, que é apelação. 5. Agravo regimental a que se nega
provimento.[24]
Defende-se, com efeito, a tese de que o
recurso adequado para desafiar tutela antecipada concedida em sede de sentença
é o de apelação, em respeito ao princípio da singularidade (ou
unirrecorribildiade) recursal.
2.3 TUTELA ANTECIPADA APÓS A SENTENÇA
Mesmo após a prolação da sentença, o juiz de primeiro grau permanece
competente para apreciar pedidos de tutela antecipada, se os autos do processo
ainda estiverem em seu poder, ou seja, se os autos ainda não tiverem sido
remetidos ao juízo ad quem. Não há
nenhuma ofensa à regra do exaurimento da competência, prevista no art. 463 do
CPC,[25]
pois se trata de uma questão que decorre da garantia ao acesso à justiça. Se
assim não fosse, tal garantia constitucional seria frontalmente desrespeitada,
ficando as medidas urgentes desprovidas de uma tutela jurisdicional adequada,
tempestiva e efetiva.
Não se pode olvidar que o próprio
Código de Processo Civil excepciona o art. 463, ao prever, no art. 461, caput, que o juiz tem a possibilidade de
alterar o dispositivo da sentença a fim de impor medidas de eficácia
equivalente à do adimplemento. Há que se observar, por essas bandas, que o juiz
pode, independentemente de ter sido provocado pela parte interessada, modificar
inclusive o valor ou a periodicidade da multa, caso venha a verificar que ela
tenha se tornado insuficiente ou excessiva, de acordo com o art. 461, § 6º.
Admite-se,
também, a tutela antecipada como medida adequada para retirar o efeito
suspensivo do recurso de apelação já recebido pelo juiz, de modo a impedir o
início da fase de cumprimento provisório da sentença. Se o juiz silenciou-se a
respeito da tutela antecipada no momento em que prolatou a sentença, talvez por
inexistir pedido do autor neste sentido, terá que adotar uma postura diferente
se, após o recebimento da apelação com fundamento no art. 520, caput, do CPC, for obrigado a se manifestar
sobre um pedido de tutela antecipada formulado pelo autor (apelado), que vise
atribuir eficácia imediata à sua sentença, ao retirar da apelação o efeito
suspensivo que sobre ela incide.[26]
Uma vez apresentadas as contra-razões de
apelação, pode o juiz reexaminar os pressupostos de admissibilidade do recurso,
dentre os quais se incluem os efeitos com que a apelação foi recebida, conforme
prevê o art. 518, caput, do CPC – que deve ser conjugado com os artigos 273 e
520: “Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe,
mandará dar vista ao apelado para responder”.
Poder-se-ia contra-argumentar que o rol
do art. 520 do CPC é taxativo e que somente autoriza o recebimento da apelação
no efeito devolutivo naquelas hipóteses expressamente mencionadas. No entanto,
Cassio Scarpinella Bueno, com a clareza de linguagem que lhe é peculiar,
assevera que o formalismo exacerbado que encerra o dispositivo deve ser posto
de lado, ante o fato de a tutela antecipada consistir em um
[...]
mecanismo para retirar o efeito suspensivo da apelação ‘fora daqueles casos’ em
que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente,
o risco processual dessa iniciativa. No caso do art. 273, essa é a única
diferença, o legislador quis compartilhar o risco com o juiz, que deverá, ‘caso
a caso’, verificar quando o autor, que tem seu direito devidamente reconhecido
na sentença, poderá levá-lo para casa e ser feliz desde logo.[27]
Nessa ordem de ideais, “é o juiz quem,
em última análise, decide quais casos reclamam uma execução (ou efetivação)
provisória (imediata) da sentença e quais casos isso não é possível ou, quando
menos, não é desejável”, ou seja, “o efeito suspensivo ‘ope legis’, que decorre
exclusivamente da ‘vontade da lei’, cede espaço, hoje, ao efeito suspensivo
‘ope judicis’ a ser retirado ou atribuído [...] pelo juiz, consoante as
‘necessidades’ do caso concreto”.[28]
CONCLUSÃO
Se, no Estado contemporâneo, o processo
deve ser compreendido como um instrumento ético e de justiça voltado à concretização
do direito material, sempre compreendido à luz dos princípios constitucionais
de justiça e dos direitos fundamentais, valores como efetividade e
tempestividade da tutela jurisdicional devem condicionar a atuação do operador
do Direito.
À vista disso, parece claro que a tutela
antecipada pode conviver com a sentença, apesar do clima de turbulência que possa pairar sobre o
tema. Nessa perspectiva, não se deve esquecer que a tutela antecipada tem por
objetivo promover a redistribuição do tempo do processo, satisfazendo, de
imediato, algo que só poderia ocorrer quando da irradiação dos efeitos da
sentença, oportunidade em que, talvez, não teria mais utilidade prática.
Por derradeiro, conclui-se que a
definição da espécie recursal que virá à baila, dependerá do momento em que a
tutela antecipada foi concedida. Se antes
da sentença, caberá agravo retido, salvo se houver perigo de dano irreparável
ou de difícil reparação, hipótese em que caberá agravo de instrumento. Se na sentença, caberá apelação, em virtude
do princípio da singularidade recursal. Se após
a sentença, caberá agravo de instrumento.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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DINAMARCO,
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. A Nova Era do Processo Civil. 2ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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; ANDRADE NERY, Maria Rosa de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
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3ed. São Paulo: DPJ, 2005.
ZAVASCKI,
Teori Albino. Antecipação da Tutela. São
Paulo: Saraiva, 1997.
[1] Gustavo Henrique Schneider Nunes – Mestre em Direito pelo UNIVEM. Coordenador do Curso de Direito do
IMESB. Professor de Direito Processual Civil do IMESB e da Faculdade São Luís
de Jaboticabal. Professor convidado da FAAP. Advogado. Autor do livro Tempo do Processo Civil e Direitos
Fundamentais, publicado pela editora Letras Jurídicas.
[2] O
art. 273, II, do CPC, trata da possibilidade de a tutela antecipada ser
deferida com base no abuso do direito de defesa e no manifesto propósito
protelatório, sendo que a primeira hipótese acontece no decorrer do processo e
a segunda num ambiente externo ao processo, podendo ser até mesmo anterior ao
ajuizamento da ação. Daí ser viável a formulação do pedido e, consequentemente,
a concessão da tutela antecipada inaudita
altera parte no caso de manifesto propósito protelatório do réu.
[3] NERY JÚNIOR, Nelson;
ANDRADE NERY, Maria Rosa de. Código
de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em
Vigor. 6ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 616; CARNEIRO, Athos
Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 6ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005,
p. 91.
[5] BAPTISTA
DA SILVA, Ovídio A. A “antecipação” da tutela na recente reforma processual. Reforma do Código de Processo Civil.
Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, p. 134.
[6] NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades Sobre o Processo Civil. 2ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996, pp. 75-76.
[8]
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Nova Era do
Processo Civil. 2ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 90.
[18]
“Quase toda decisão contida em sentença é composta de partes entrelaçadas mas
distintas entre si, chamadas ‘capítulos de sentença’. Conceituam-se estes como
‘as partes em que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou
acórdão, cada uma delas contendo o julgamento de uma pretensão distinta’”.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições
de Direito Processual Civil. 6ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v.3, p. 695.
[19] “A
parcela da sentença que antecipa a tutela jurisdicional é recorrível mediante
agravo de instrumento; a outra, mediante apelação, a que deve ser recebida
apenas no efeito devolutivo (art. 520, VII, CPC)”. MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil Comentado Artigo Por Artigo. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 272.
[22]
Ver, por todos: SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso
Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil.
5ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1.
[24]
No mesmo sentido: “[...] o recurso
cabível da decisão que antecipa os efeitos da tutela no bojo da sentença é a
apelação, em homenagem ao princípio da unirrecorribilidade das decisões” (STJ,
2ª Turma, REsp nº 791.515/GO, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 07.08.2007, DJ 16.08.2007, p. 311).
[25]
“Art. 463 do CPC. Publicada a sentença, o juiz só pode alterá-la: I – para lhe
corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe
retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração”.
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