A JURISDIÇÃO À LUZ DO LIBERALISMO JURÍDICO
Efetivou-se a teoria da separação de
poderes. Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) haveriam de
estar separados um do outro, mas estando ao mesmo tempo harmoniosamente
ligados, com base na ideia de que o poder detém o poder.
O papel reservado ao Poder
Judiciário era o de fazer com que o juiz ignorasse as mais diferentes posições
sociais, para que proferisse sentença judicial baseada no texto expresso da
lei. O juiz haveria de agir como se fosse a bouche
de la loi (a boca da lei).
Ao magistrado incumbia o mister de aplicar a lei produzida pelo
legislador ao caso concreto, como se fosse um instrumento estatal por meio do
qual deveria somente declarar o que estivesse literalmente contido na lei,
porque a tarefa de criação do Direito ficava a cargo exclusivo do Legislativo.
Como decorrência do
liberalismo jurídico, verdadeiros dogmas foram sedimentados no processo civil,
a saber:
a)
a jurisdição tinha a
finalidade de tutelar apenas os direitos subjetivos violados. Buscava-se a
reparação do dano, pois ao juiz não se permitia a atuação de sua vontade antes
que o ordenamento jurídico fosse violado. Qualquer ato judicial que viesse a
tutelar um direito ainda não violado seria considerado como um atentado à
liberdade individual. Assim, inexistia possibilidade de se realizar a tutela
preventiva dos direitos. Os processualistas tinham em mente que a reparação do
dano deveria ser realizada por meio da prestação do equivalente econômico. Vigorava
o entendimento de que era o bastante pôr no bolso do particular um equivalente
em dinheiro;
b)
os atos judiciais
eram desprovidos de qualquer poder de imperium.
Não
se interferia na realidade existente além da relação processual. O juiz não
podia atribuir força executiva às suas decisões por meio da imposição de
coerção, como, por exemplo, aplicação de multas em caso de descumprimento;
c)
o juiz não possuía
poderes instrutórios.
As provas produzidas no processo deveriam ser requeridas pelas partes. O desfecho
do processo se dava unicamente em razão do comportamento realizado pelas
partes. O juiz não interferia na relação processual nem mesmo para determinar a
realização de uma prova de ofício, quando tinha consciência de que a “verdade
dos fatos” estava sendo construída pela astúcia ou em virtude de maior
habilidade de uma das partes;
d)
o juiz haveria de ser
neutro. Ao
juiz era vedado fazer com que suas
paixões, suas ojerizas, sua ideologia e qualquer outra ordem de sentimentos,
viessem à tona no momento de proferir alguma decisão judicial. A sua
função como intérprete estava limitada à descoberta das leis que regiam o “fato
normativo”. Toda atenção era voltada para os dizeres contidos na norma. Os
fatos concretos somente entravam em cena no momento de sua subsunção à norma;
e)
a busca incessante da
certeza. O
juiz não podia decidir com base em convicção de verossimilhança, diante da
pretensa semelhança então propalada do Direito com as ciências matemáticas. O
juiz só estava autorizado a julgar o mérito ao término de uma cognição
(conhecimento) plena e exauriente, que privilegiasse a plenitude da defesa;
f)
nulla executio sine titulo. Nula era a execução
que não fosse baseada em um título executivo. O direito material apenas poderia
ser concretamente realizado após a prolação de uma sentença judicial transitada
em julgado. Tanto era assim, que a doutrina tradicional (Chiovenda) considerava
que a execução provisória da sentença era uma “figura anormal”.
Portanto, a ciência processual
civil nasceu comprometida com os ideais do liberalismo clássico e com o
pressuposto racionalista que determinou a submissão do juiz ao poder político.
Enquanto oferecia-se às partes um procedimento amplo, apto a proporcionar a plenitude
da defesa em juízo, fazendo com que o Estado viesse a decidir com a segurança
que o tratamento exaustivo lhe daria, esse mesmo procedimento haveria de
esgotar todas as possíveis questões litigiosas, porque assim asseguraria para
sempre a máxima amplitude da coisa julgada.
Com a superação – parcial,
infelizmente, pois ainda há quem não tenha notado a mudança de paradigma –, do modelo
jurídico liberal-individualista e a cultura formal-positivista, um novo olhar
deve ser direcionado à jurisdição. Para estudá-la com seriedade, faz-se
necessário abordar o pós-positivismo, o ativismo judicial, os direitos
fundamentais, o controle de constitucionalidade judicial, a interpretação de
acordo com a Constituição Federal, às normas abertas à interpretação, quais são os seus escopos e a
construção judicial de procedimentos adequados à tutela dos direitos.
Mas essa é uma coversa para
outra(s) oportunidade(s)...
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